Conto: Meninos prodígios também choram

O cheiro do mofo no colchão estava insuportável, meus pulsos estavam doloridos com as amarras e a venda que puseram em meus olhos estava apertada demais. Mesmo estando desconfortável naquele cativeiro, eu podia ouvir um pouco do que meus seqüestradores diziam e quem poderia imaginar que aquela doida da Fátima Zoraide estava certa? Eu corria perigo de vida…

Tudo começou pela manhã quando saí mais cedo de casa par ir à escola. Antes, pedi ao meu pai para que parasse um pouco na banca de jornal para que pudesse comprar umas figurinhas novas para o meu álbum. Cheguei à banca e encontrei a Fátima Zoraide sentada atrás de uma mesinha olhando umas cartas. O chão estava cheio de embalagens de bombons, aquilo não era uma boa coisa. Uma vez ela me disse que quando ficava angustiada, ela se afogava em chocolate.

Assim que me viu ela arregalou os olhos sobre mim e disse:

– Pobre menino, não merecia passar por isso. Tão jovem e já correndo perigo de vida.

Para dizer a verdade sempre tive medo daquele jeito esquisito dela, e quando ela começava coma as suas previsões eu corria pra bem longe e desta vez não foi diferente. Saí correndo até o carro e fui para a escola sem as minhas figurinhas.

Na escola foi o de sempre. Estudei, brinquei no recreio e joguei bola na educação física. No caminho de volta pra casa, meu pai mandou o motorista da empresa dele me buscar. Íamos tranqüilos quando de repente um furgão preto cortou o frente do nosso carro. Do furgão surgiram três homens encapuzados e armados, eles renderam o motorista e obrigaram-no a deitar no asfalto. E quanto a mim, puseram um saco de pano preto na minha cabeça e me carregaram para o furgão.

Gritei por socorro, mas um dos seqüestradores me mandou ficar quieto, como não o obedeci ele bateu na minha cabeça com alguma coisa dura que imagino que fosse um revólver.

Depois da pancada na cabeça acordei em um quarto cheirando mofo, com as mãos amarradas e os olhos vendados. Não fazia a menor idéia quanto tempo fiquei desacordado, preso ali eu só podia ouvir pedaços de conversas dos seqüestradores. A última frase que ouvi foi: “… 500 mil dólares em uma mala preta, se não… o menino morre!”.

Ao ouvir essa frase senti um calafrio e comecei a ficar apavorado, até aquele momento não havia compreendido muito bem o que estava acontecendo. Com medo comecei a chorar, os seqüestradores ouviram, pois quase que instantaneamente ouvi uma porta se abrir e uma voz berrar ameaçadoramente:

– Fecha a boca moleque, senão vai ser pior!

Reconheci aquela voz, era o mesmo seqüestrador que me bateu no furgão. Fiz de tudo para me controlar e segurar o choro, mas não conseguia, quando percebi já estava tremendo e chorando descontroladamente. Achei que fosse me bater de novo, mas me enganei. Uma mulher de voz calma e serena entrou no quarto e dizia para que me acalmasse. Ela também me ajudou a ficar sentado na cama, ainda bem porque já estava com dor nas costas de ficar deitado de bruços.

Depois, a mulher cuidadosamente pôs um copo de água na minha e enquanto bebia, ela passava as mãos macias em minha cabeça dizendo que tudo acabaria bem.

Depois de beber a água fresca e ter ficado um pouco mais calmo a mulher foi embora. Em pouco tempo, tudo ficou no mais absoluto silêncio e comecei a pensar no que estava acontecendo comigo. Mesmo sendo filho de um bem sucedido empresário, tendo do bom e do melhor, e sendo o que todos chamam de menino prodígio, eu ainda era uma criança como qualquer outra, frágil e indefesa. Não seria o dinheiro do meu pai que afastaria de mim todos os perigos e nem o meu QI elevado que me diferenciaria das outras crianças em situações como essas.

Fiquei por um longo tempo pensando sobre isso, tempo até demais, pois quando eu menos esperava, alguém arrombou a porta. Assustado, comecei a chorar novamente, achando que eles iriam me matar. Até uma voz dizer:

– O menino está aqui Senhor.

Sua voz não parecia ameaçadora, mesmo assim continuei chorando de medo, até ouvir a voz do meu pai.

– Meu filho! Graças a Deus te encontrei.

Continuei a chorar. Desta vez não de medo, mas de alegria por estar seguro nos braços do meu pai.

Este artigo foi escrito por Júnior Gonçalves e apareceu primeiro em http://www.neuronio20.com

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