Graças à minha professora Eliana do Ensino Fundamental adquiri um ótimo vício: o de ler.
Depois de devorar centenas de livros da Coleção Vagalume eu me aventurava a escrever minhas próprias aventuras, e alguns anos mais tarde escrevi o conto “Meu novo vizinho” que transcrevo abaixo.
Meu novo vizinho
Obviamente que com essas características e mais outras, a casa da frente passou a ser chamada pelos garotos da rua de: “A cada mal-assombrada”. Quando eu era criança isso me assustava, mas agora que sou grande (12 anos), não tenho mais medo.
Em uma bela tarde de terça-feira, quando eu chegava em casa do colégio, percebi algo de anormal na casa. Desde que me conheço por gente, sempre houve na calçada da casa uma árvore muito diferente de todas as que eu já havia visto, essa árvore fazia muita sujeira quando suas folhas caíam, mas por ser diferente – diria até exótica – todos os vizinhos lutavam para não deixa-lá morrer. Neste dia de terça-feira a árvore estava podada (nada que um vizinho não tivesse feito), mas embaixo da árvore havia um banco de madeira que eu nunca havia visto. Parei por um instante para observá-lo, era um pouco rústico e estava mal envernizado, mas parecia ser bem feito e resistente. Enquanto olhava para o banco de madeira, imaginando quem o havia posto ali, outra coisa chamou minha atenção. Toda a calçada, o terraço e a garagem estavam varridos. E mais ainda, o piso da garagem estava com certo brilho que há muito tempo não se via, estava limpo e livre do pó que diariamente o cobria. Nenhum vento ou chuva poderia limpar o piso daquele modo, naquele momento tive certeza de que alguém havia lavado a garagem. E diante desses fatos só poderia concluir uma coisa: alguém havia se mudado para a casa.
Imediatamente corri atrás da minha mãe para saber quem eram e como eram os novos vizinhos. Minha mãe decepcionou-me ao dizer que não havia visto nada, e não foi diferente quando perguntei ao resto da família.
Depois de perguntar para um batalhão de pessoas e todas darem a mesma resposta, pensei, “como alguém pode se mudar e ninguém ter visto?”. Durante algum tempo fiquei a me questionar sobre isto, mas com o tempo fui percebendo que parado ali nunca chegaria a uma resposta. Eu só tinha uma saída: eu mesmo teria que descobrir quem eram meus novos vizinhos.
Durante três horas e meia fiquei vigiando a casa como nos filmes de James Bond, mas meu trabalho parecia ser em vão, ninguém entrava ou saía da casa, nem ao menos uma janela ou porta se abria indicando alguma presença viva lá dentro. Exausto, cheguei a pensar que a garagem estava tão suja quanto antes e que o banco de madeira havia sido posto ali por qualquer um. No momento em que eu estava quase desistindo da minha vigilância, uma coisa aconteceu. Um vulto passou pela janela da sala, indo em direção à porta, mesmo sem poder ver por entre as paredes, fui acompanhando o vulto com olhar até a porta e quando a alcançou, girou a maçaneta lentamente e a abriu.
Aquele era o momento, meu coração batia forte, eu nem sabia o porquê, talvez fosse ansiedade ou curiosidade. Mas o que eu sei, é que eu não via a hora de conhecer meu novo vizinho.
A porta se abriu e dela saiu um tipo de pessoa que eu nunca havia visto pessoalmente. Um japonês. Provavelmente com mais de 60 anos. Era magro, baixo e é claro, de olhinhos puxados. A princípio, ele me lembrou muito meu avô, a diferença maior era que meu avô pintava os cabelos grisalhos e não usava uma roupa parecendo pijama.
Foi uma surpresa muito grande ver aquele japonês ali naquela casa, talvez fosse por isso que eu não conseguia tirar os olhos dele. Fiquei a observar atentamente tudo o que o velhinho japonês fazia.
Lentamente ele se encaminhou até o portão, abriu-o e foi sentar-se no banco embaixo da árvore. Sentado ele ficou a admirar o pôr-do-sol enquanto “brincava” com alguma coisa de metal por entre os dedos. Se não fosse o movimento das mãos, qualquer um que o visse diria que o velhinho japonês era uma estátua.
Quando cheguei no portão, olhei novamente para o velhinho japonês e ele ainda estava do mesmo jeito. Imediatamente pude perceber que eu não era o único que observava o novo vizinho, todos que passavam olhavam curiosos para o velhinho de pijama sentado na calçada às 16h40min da tarde.
Dali do meu portão dava para ver melhor o meu novo vizinho, a primeira coisa que reparei ao observá-lo de mais perto, foi a expressão triste no olhar para o pôr-do-sol. Na mesma hora imaginei que ele estivesse com saudades da sua terra natal: o Japão.
Fiquei a imaginar o que teria feito sair de tão longe, e depois fiquei pensando o que teria feito escolher aquela casa que estava tão mal cuidada.
A resposta para a segunda pergunta veio quase que instantaneamente. A árvore exótica! Depois de tantos anos, agora estava claro que aquela árvore, tão diferente das demais, só podia ser alguma espécie do Oriente, que inexplicavelmente veio para ali e sobreviveu. Essa conclusão deixou-me contente, contudo não satisfeito. Ainda havia outras perguntas que eu gostaria de respostas, mas para essas perguntas eu teria que tomar uma atitude mais ousada. Ir falar com o velhinho.
Não consigo explicar de onde tirei tamanha coragem, mas o que aconteceu foi que atravessei a rua e parei de frente ao velhinho. No início ele pareceu não notar minha presença, pois ele continuava com o olhar tristonho voltado para o pôr-do-sol. Aos poucos ele foi me encarando e quando os olhos dele fixaram-se nos meus, eu travei. Não sabia o que dizer, simplesmente fiquei parado olhando aquele sujeito que eu nunca havia visto antes.
Eu estava parado diante dele e não conseguia dizer nada que iniciasse uma conversa. Enquanto pensava em alguma coisa para dizer, meus olhos pararam nas mãos dele, a coisa de metal que brilhava parecia ser algum tipo de medalhão, mas daqueles pequenos com um furo no meio para se usar no pescoço. A expressão do velho continuava triste, quase que melancólico, e novamente veio na minha cabeça a saudade que ele deveria estar sentindo do Japão. A única coisa que consegui pensar depois disso foi em dar-lhe as boas-vindas:
– Boa tarde, sou seu vizinho da frente. Tudo bem com o Senhor?
Ele abriu a pequenina boca e… respondeu. Eu até repetiria o que ele respondeu se eu tivesse entendido. Ele respondeu em japonês e pelo jeito ele não entendia uma palavra em português, tive que apelar para a linguagem universal, a dos sinais.
Devo ter ficado no mínimo uns quinze minutos tentando dizer-lhe que eu era seu novo vizinho e que desejava-lhe as boas-vindas. Sem ter mais gestos que dissessem o que eu queria dizer, resolvi desistir. Ele parecia não ter entendido nada e provavelmente nunca entenderia.
Virei as costas para ele e ia em direção à minha casa quando ele disse outra coisa que não entendi, mesmo assim me virei. Ele olhava para mim não mais com aquela expressão tristonha, mas com uma expressão serena que aos poucos foi se transformando em um sorriso. Bem devagar ele levantou a mão direita na altura da cabeça e fez um aceno de marinheiro.
No mesmo instante levantei minha mão direita e respondi o aceno. O sorriso do velhinho japonês abriu-se ainda mais, por um segundo aquele sorriso transformou por completo a sua imagem. Poderia ter ficado por mais tempo olhando-o sorrir, mas um grito chamou minha atenção. Era minha mãe chamando-me para tomar banho antes do jantar. Fiz de tudo para dizer ao velhinho o que estava acontecendo, acho que ele entendeu, pois mesmo depois que eu entrei em casa e tranquei o portão, ele continuou sorrindo.
Parabens Zé que legal!!!!! Eu adorava ler vagalume tb 🙂 e viajei no seu conto ….Muito bom!
Nossa, Júnior, no teu baú do tempo também tem estas surpresas! Muito bom! Achei fantástico o começo: "mas agora que sou grande (12 anos), não tenho mais medo." Realmente, era muito grande! Se não era, pelo menos pensava assim.
Parabéns pelo texto!
Um abraço