Encontrei-me observando meus cachorros brincarem no quintal de casa enquanto ouvia duas tias conversarem. Em certo momento, percebi que alguma coisa estava errada quando notei que a gaiola do papagaio não estava no lugar onde deveria estar, mas antes que eu pudesse pensar melhor sobre isso, propositadamente, as tias desviaram a minha atenção chamando-me para a conversa delas.
Quando a campainha da minha casa tocou, pedi licença para as tias e saí correndo atravessando o extenso quintal. Estranhamente, os cachorros não começaram a latir como sempre acontecia quando a campainha tocava, anunciando que alguém estava chamando no portão. Como tantas outras vezes, nem me dei ao trabalho de abrir o portãozinho que separava os quintais, saltei como em uma corrida de obstáculos e num instante eu estava no corredor de acesso à garagem da minha casa.
Ao chegar de sobressalto na garagem, meu carro não estava lá, e deparei-me com três pessoas: as tias que a dois segundos atrás eu havia deixado no quintal de cima, e a minha segunda mãe. Ela usava um vestido simples na cor azul marinho e seus cabelos louros encaracolados a rejuvenescia, no mínimo, uns 20 anos.
Conhecendo-me muito bem, minha segunda mãe pensou que aquela situação me causaria medo (o que na maioria das vezes seria verdade). Examinou-me então atentamente com seus olhos azuis inconfundíveis, esperando alguma reação minha, e após alguns segundos de hesitação, percebi o que estava acontecendo e me atirei nos braços dela em um longo e muito aguardado abraço.
Ela retribuiu o abraço, sorriu aliviada e perguntou: ” O que aconteceu ‘fio’? ” – de um jeito que só ela fazia.
Uma avalanche de pensamentos caiu sobre mim trazendo à tona todos os acontecimentos do último ano. Já com lágrimas nos olhos, disse pessoalmente a ela o que já havia dito centenas de vezes diante da sua sepultura:
– Tudo virou de cabeça pra baixo. – Respirei fundo, procurando forças para continuar. – Me perdoa, não vou conseguir cumprir a minha promessa.
Por um breve instante ela pareceu surpresa, mas seu olhar sereno e irradiante manteve-se intacto. Tentei abraçá-la novamente, mas ela começou a distanciar-se envolta por um brilho intenso, no qual eu conseguia distinguir apenas o seu rosto.
Olhei ao redor à procura de ajuda. Ninguém. Caí então de joelhos como se todo o peso do mundo estivesse em meus ombros. E antes da minha segunda mãe ir embora, eu perguntei: – Pra onde a senhora vai?
– Agora eu sou luz. – Ela respondeu enquanto desaparecia na minha frente e eu sentia a sua última bênção sobre mim.
No instante seguinte, abri meus olhos no quarto ainda escuro e disse em voz alta: “Feliz Dias da Mães Dona Lúcia! Obrigado por vir me visitar no dia de hoje.”, e voltei a dormir na doce ilusão de que a partir dali as coisas começariam a melhor.