Bem que nós gostaríamos que o “Diário de um cãozinho abandonado” fosse apenas mais um conto no qual utilizamos nossa limitada mente criativa para escrever, mas infelizmente, a história é baseada em um fato real acontecido no dia 13 de Fevereiro de 2011 em Itapira/SP. Como nossa intenção não é expor ninguém, resolvemos contar essa história de uma forma lúdica, ou seja, deixando que o verdadeiro protagonista relate a sua saga.
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O sol ainda não havia nascido quando fui acordada por um homem engravatado. Ele me pegou com força e enquanto me levava até um grande carro preto, ele gritava chamando seu filho adolescente. Sua mão forte apertava minha barriga e as feridas que há muito tempo atrapalhavam-me para andar. Queria dormir, mas o homem engravatado colocou-me no colo do menino e tudo começou a balançar quando o ele girou a chave e saiu com o carro . Olhei para o menino na tentativa de dizer-lhe que não estava gostando daquilo e que me deixasse dormir, mas seu olhar o denunciou que ele também não estava gostando daquilo, só que por alguma razão ele tinha que fazer o que aquele homem dizia.
O vai e vem do carro era uma tortura que parecia nunca ter fim, e quando finalmente o carro parou, tive a esperança de que poderia voltar a dormir. Engano meu. Foi nos dois minutos seguintes que tive a maior dor da minha pequenina vida, e não foi uma dor física de perna quebrada ou carrapatos picando, foi a dor de ser abandonada no meio da rua por quem até aquele momento me carregou no colo.
Quando o homem parou o carro ele disse: “Joga ela ali”, não entendi o que ele queria dizer com isso e pela impressão que tive, o menino também não, porque ele hesitou por uns segundos com um olhar triste. Em seguida ele abriu a porta, me levou até o outro lado do carro e me colocou na grama ainda molhada pelo orvalho da madrugada. Quando pensei em latir, já era tarde, o menino já estava dentro do carro novamente. Olhei em direção ao homem na esperança de que ele saísse do carro e visse me buscar, mas como sempre, ele me lançou um olhar frio e pôs o carro para andar, deixando-me ali sozinha.
Há muito tempo eu não sabia o que era receber um carinho, mas ser abandonada daquela forma era a pior coisa que poderia acontecer. Estava fraca, doente e cega do olho esquerdo. O que seria de mim sem ter alguém para me dar de comer, de beber e me proteger? Certamente que não haveria outro destino senão a morte.
Olhei à minha volta e mal consegui enxergar o outro lado da rua, a única coisa que consegui distinguir era o vulto do carro indo embora. De repente, uma moto parou perto de mim e uma moça veio na minha direção. Pensei em correr, mas estava fraca demais e ela chegou tão rápido que nem deu tempo. A moça pegou-me e subiu novamente na moto, carregando-me no colo. O rapaz que pilotava acelerou violentamente e em poucos segundos vi o carro que há dois minutos havia me abandonado. Paramos um segundo ao lado do carro e o rapaz disse para a moça memorizar algum código antes de irmos embora dali.
No colo da moça, em cima daquela moto, o vento batia forte em meu rosto e deixava-me com medo, mas em pouco tempo paramos em frente a uma casa e a moça me levou para dentro. Analisando meu corpinho machucado e ferido, a moça dizia que iria cuidar de mim e que eu ficaria boa em breve.
Alguns segundos depois, o rapaz chegou com pote de água fresca e um pano macio para eu deitar. Comecei a desconfiar da minha sorte, estava bom demais para ser verdade. Como poderia ter encontrado um novo lar em tão pouco tempo? E quando a moça se distraiu um pouco, eu tentei ir embora, mas não fui muito longe, ao descer uma escada eu, sem força, tropecei nas próprias pernas e rolei os outros dois degraus. A moça veio em meu auxílio e me levou mais para mais longe da escada junto com o pote de água e o pano.
Estava sem força até para comer, mas me esforcei quando o rapaz chegou com um pratinho de ração. Comi, bebi um pouco de água e deitei pra descansar. A moça pegou o pano e enrolou-o em volta de mim, nesse momento ela percebeu realmente o quanto eu tremia, não sei se era mais por causa do frio ou se era de fraqueza mesmo. Dormi durante um tempo e cada vez que acordava para me coçar, a moça ou o rapaz estavam ali, vigiando meu sono.
Eu tentava dormir, mas com tantas pulgas e carrapatos era bem difícil. Até que em um momento a moça levou-me para o fundo da casa, colocou-me dentro de uma bacia com água morna, e me deram um banho. Nunca gostei muito de banhos, mas fazia tempo que não tomava e acho que realmente estava precisando de um. Quando estavam quase terminando, jogaram um liquido branco que não era muito cheiroso, mas, como disseram que era para matar os carrapatos que insistiam em machucar-me, deixei que jogassem mais.
Depois de um banho, um pouco de ração e uma boa soneca, acordei bem mais disposta. Estava fraca, eu sei, mas se tudo continuasse como estava, em pouco tempo estaria novinha em folha!
No dia seguinte a moça pegou-me no colo e fomos para a rua. No início pensei que seria abandonada novamente, mas ela conversava tão carinhosamente comigo que eu não acreditei que ela fosse fazer isso. Chegamos a um lugar com outros animais doentes no colo das pessoas e, depois de uma espera, a moça levou-me para uma sala, onde um homem de branco começou examinar meu pêlo, minhas patas, meus olhos e tudo mais. Enquanto ele me pegava com cuidado eu não me importei, mas quando ele espetou aquela agulha em mim eu não deixei barato. Tasquei uma mordida na mão dele, mas sai perdendo porque ele nem mexeu a mão enquanto aquela injeção doía pra caramba!
De volta pra casa, já começo a me acostumar com minha nova vida, minha nova casa e meus novos donos. Só penso às vezes em muitos companheiros meus que não têm a mesma sorte, são deixados ao relento, incapazes, sofridos, calados pela sociedade, como se fossem um brinquedo que, ao ficar velho, é descartado como lixo…
Minutos após ela ser resgatada
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Essa foi a forma que encontramos para contar a história de Pipoca, nossa nova cadelinha, que resgatamos da rua após ser abandonada. Nós, juntamente com a UIPA – União Internacional de Proteção aos Animais, denunciamos ao Ministério público o dono do carro que abandonou essa cachorrinha. Além de ser uma crueldade com o pobre animal indefeso, é um problema de saúde pública e um crime previsto na Lei Federal 9.605/98.
Temos consciência de que é grande a impunidade no nosso país e dificilmente ele será punido da forma como deveria, mas como já dizia Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
Mais informações sobre a Lei Federal 9.605/98 em:
http://www.soama.org.br/legislacao_denuncie.shtml
Este artigo foi escrito por Júnior Gonçalves e apareceu primeiro em http://www.neuronio20.com